"Vede o espectador teatral. Logo que o último ato chega ao meio, ei-lo nervoso, danado por sair. Para quê? Para tomar chocolate depressa. E por que depressa? Para tomar o bonde onde o vemos febril ao primeiro estorvo. Por quê? Porque tem pressa de ir dormir, para acordar cedo, acabar depressa de dormir e continuar com pressa as breves funções da vida breve" (João do Rio).
Seres
autômatos desfilam em suas funções diárias cientes de sua
liberdade para escolher a cor do refrigerante. Escolhemos também a
forma de pagamento quando podemos pagar. Determinismos mil explicam o
assombro dessas vidas que passam no trânsito de um estímulo ao
outro. Não há afecção, intervalo para o prenúncio do gozo. Há
cosquinhas no baixo ventre e a satisfação pueril de quem persegue a
todo custo qualquer prazer. Não há introspecção. Há atrofia e
explicações sociológicas mirabolantes para o automatismo e o
desencantamento do mundo. O mundo encantado é que se aliena dos
homens para não participar deste espetáculo tétrico do deboche
universal. Os deuses dão as costas. Desencantamento nosso, as coisas
do mundo não tem nada a ver com isso. O esforço de humanização
nos retira a viscosidade do chão em troca de asfalto, proteção e
ordem A arte autômata é objeto do escrutíneo sociológico,
produto social, afinal todos somos humanos. Autômatos, mas homens. E
de uma ação apressada a outra, a promessa do gozo fugidio do
próximo instante ao som de Mr Catra ou Satie. É o império
democrático da indiscernibilidade. Saudade minha da escatologia
cristã ou marxista ou qualquer metafísica que devolva a grandeza
das coisas!